Entrevista: The Pages

 

Com uma energia contagiante e uma devoção inabalável ao espírito mod revival, os The Pages afirmam-se como uma das mais entusiasmantes surpresas da nova vaga do rock nacional. Formado em 2023, o trio de Almada rapidamente deu nas vistas com um split ao lado dos espanhóis The Neuras e, pouco mais de um ano depois, apresenta o seu álbum de estreia We Are The Pages!. Gravado praticamente ao vivo em estúdio, o disco é uma celebração da crueza e da honestidade sonora que definem a banda, misturando com naturalidade mod revival, power pop e ska punk. Confiram este espírito na conversa que mantivemos com três dos The Pages.

 

Olá, pessoal, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Tudo bem desde a última vez que conversámos?

PETER PAGE (PP): Olá, Pedro. Tudo “Nice In Nice”. Espero que contigo também! Prontos para mais umas perguntas.

 

O vosso percurso tem sido rápido e intenso: formaram-se em 2023 e pouco mais de um ano depois já têm um split e um álbum de estreia. Sentem que este ritmo acelerado ajudou a consolidar a identidade dos The Pages ou tornou tudo mais desafiante?

STEPHON PAGE (SP): Acho que a intensidade e rapidez do nosso percurso resultam de uma ideia clara da nossa identidade, temos a sorte das nossas químicas individuais resultarem bem no coletivo e pensamos que essa mistura caseira é muito verdadeira naquilo que somos em disco ou em palco, o desafio é sempre fazer mais e melhor... O nosso split nasceu numa altura ainda de procura e consolidação da formação da banda, o nosso álbum de estreia nasce já com a formação definida e procurámos fazer um disco com uma sonoridade que traduza aquilo que somos em palco e claramente revival, vozes, uma guitarra, um baixo e bateria. Incluímos um trompete na gravação de dois temas e para isso convidámos o Filipe Esperança, o desafio se calhar passa por hoje em dia se fazer um disco com poucos recursos digitais e com o mínimo de overdubs, mas penso que o conseguimos fazer e que o resultado nos agrada.

PP: Julgo que ambas as coisas. Ajudou a consolidar o som e a identidade da banda porque desafiante será sempre. Nós queremos que os The Pages, sempre dentro do mod revival, possam por vezes roçar outros estilos musicais pontualmente.

PHILIP PAGE (PhP): Entrei neste projeto já com o comboio em andamento, em velocidade cruzeiro. A identidade dos The Pages estava definida desde o 1º dia, com uma visão clara da estética e da sonoridade do mod revival. A velocidade a que as coisas têm acontecido, apesar de elevada, é orgânica, e resultado da boa química que encontrámos e vamos refinando das nossas individualidades neste projeto, assim como dessa clara definição identitária que foi previamente estabelecida. Temos o foco e a direção, é só carregar mais ou menos no pedal.

 

O vosso som tem raízes muito claras no revivalismo britânico de finais dos anos 70 e início dos anos 80. Que bandas ou movimentos continuam a ser as vossas maiores referências e onde sentem que os The Pages se diferenciam?

PP: A nossa maior referência é o mod revival, mas também o power pop, o ska e o maximum rhythm and blues. Há também aproximações ao pop dos anos 60 e também gostamos da new wave, do punk e do post-punk. Na verdade, os The Pages não se diferenciam das bandas que temos como referência. Para mim não me interessa descobrir um novo género musical dentro deste caldeirão que nos influencia. Gosto imenso do que fazemos e se nos disserem que não fazemos nada de novo, pouco me importa. We Are The Mods! We Are The Pages! e o resto é conversa! Bandas de referência para nós são naturalmente os Secret Affair e depois os The Jam, Purple Hearts, Squire, Madness, The Specials, TVPs, The Times, The Who, Small Faces... Estas são as mais conhecidas para não falar de nomes que ninguém ou quase ninguém conhece.

SP: As referências são várias, claro que o percurso individual de cada um dos membros da banda tem inúmeras referências, mas inequivocamente o movimento mod é o guia estético para aquilo que fazemos enquanto grupo. As bandas desse período obviamente também o são, especialmente os Secret Affair, cujo nome do vocalista, Ian Page, foi a principal inspiração para o nome The Pages e inclusivamente o pseudónimo de todos os elementos da banda termina em Page, Peter Page, Phillip Page, Stephon Page e Casper Page. Aliás, essas bandas revival dos finais dos 70 e 80 foram bíblias para muitas bandas que atingiram sucesso planetário nos 90 e anos 2000.

PhPage: O conceito era mesmo trazer essa estética e sonoridade para a frente, foi o que me apresentaram quando cheguei e acho que estamos a cumprir. Vinha de uma esfera diferente de influências, mas não totalmente alheio. Conhecia alguns nomes dos que marcaram a cena do revival, como os Secret Affair (cujo vocalista Ian Page, nos cede, sem saber, o apelido da banda) e os Jam, e tenho sido apresentado a muitos outros neste percurso.

 

O split com os espanhóis The Neuras foi uma excelente forma de se apresentarem ao público. Em que medida We Are The Pages! representa uma evolução em relação a esse trabalho partilhado?

SP: Bem, penso que já respondi um pouco a esta questão anteriormente, mas posso acrescentar que o álbum em nome próprio é uma afirmação dos The Pages enquanto banda. Esteticamente é um trabalho só nosso, com um alinhamento variado e onde colocamos uma energia muito genuína. Penso que ao fazermos aquilo que gostamos essa liberdade se reflete na música e não há espartilho que nos prenda. Tenho a sensação de que se agarrarmos num tema jazz ou até de cariz mais popular o transformamos em algo muito nosso, sem pretensiosismos; não é estar a dizer que o faríamos melhor, mas sim que seria algo à nossa imagem. Penso que essa é a grande conquista coletiva que sentimos em relação ao We Are The Pages!.

PP: We Are The Pages! É uma continuidade do trabalho da banda, a forma como foi gravado, live in studio, é uma fórmula que queremos manter. Próximo do som que fazemos ao vivo. A banda agora mais sólida dá-nos outra segurança e outra confiança.

PhPage: Não participei desse trabalho partilhado, mas tive o privilégio de o ir executando em palco. Isto para dizer que não sei como se deu esse processo criativo, mas em We Are The Pages!, quisemos consolidar a nossa paisagem musical, com aquela energia caraterística já presente no A New Scene. Depois de quase um ano a levá-lo na estrada, que é a minha parte preferida, quisemos transportar essa energia e criar um registo que se mantivesse nessa identidade, mas que representasse a nossa química e coesão calibradas nesses concertos para um novo registo. É o meu primeiro, e estou orgulhoso do som cru e despojado que apresentamos ao vivo, em que não há grandes redes de trapezista, e que We Are The Pages! transpira.

 

Em We Are The Pages! afirmam-se plenamente enquanto banda mod revival, mas também há espaço para rasgos de power pop e até ska punk. Este ecletismo foi algo intencional desde o início ou surgiu de forma mais orgânica no estúdio?

PP: Quando fomos para o estúdio, já levávamos as 12 músicas feitas, por isso o ecletismo foi intencional. Não inventámos nada em estúdio, as 12 músicas foram gravadas num dia e meio de estúdio.

SP: Esse ecletismo surge de todo o percurso que nos trouxe até aqui, da música que sempre ouvimos na formação das nossas personalidades. No nosso processo criativo vai tudo saindo naturalmente, sem forçar, e esta oferta variada faz com que o nosso álbum tenha de tudo, desde um ska a puxar a um pezinho de dança, a temas com mais sangue na guelra e até temas mais introspetivos. No fundo, em todos há uma atitude desafiante e que marca a nossa posição enquanto banda, às vezes costumamos dizer que fazemos um punk “fofinho”.

PhP: Como um sábio recente na minha vida disse uma vez, "não há música mod, há música que os mod ouvem". O nosso chapéu tem aba larga. O Modernismo foi um movimento estético e comportamental, com o seu início nos anos 50, em que a malta que assim se movimentava, escutava jazz ou R&B. No final dos 70, no revival, surgem outros tipos de sonoridade que foram compondo o ramalhete de influências da cena. Temos a nossa paisagem sonora bem definida, mas é uma paisagem caleidoscópica e mutável, porque há muitas fontes onde beber. Quando estamos a criar, os processos são muito orgânicos.

 

O single de avanço, Ordinary Love, mostrou uma faceta vossa particularmente melódica. Por que a escolha desta faixa como cartão de visita do álbum?

PP: A escolha foi da editora (Lux Records) sugestão do Rui Ferreira que nós aceitámos sem reservas, embora as nossas escolhas para o 1º single tenham sido Head On Fire ou Strong Enough. Para o final do ano sairá o 2º single retirado do álbum em que o tema escolhido, também sugestão do Rui, porque tem funcionado muito bem ao vivo, não será mais uma vez nenhum destes dois!

SP: Esta escolha foi uma sugestão da nossa editora, Lux Records, com a qual nós concordámos. Curiosamente, dentro da banda estávamos indecisos entre dois outros temas com mais andamento e até mais dentro de todo o alinhamento do álbum, mas de qualquer forma penso que o Ordinary Love tem tido boa receção por parte do público e é uma afirmação da nossa diversidade enquanto banda. Brevemente vamos lançar um segundo single em vídeo e esperamos que esse ponha toda a gente a dançar.

PhP: Nós até tínhamos pensado um tema mais rasgadinho para cartão de visita. A nível editorial, a perspetiva era outra, e sugeriram o Ordinary Love. Resolvemos aceitar esta orientação entendendo que poderia ser mais facilmente disseminada.

 

Entre as 12 faixas do disco, encontramos duas versões. Como surgiu a ideia de incluir estes temas e de que forma eles se ligam com a vossa identidade artística?

SP: As duas versões incluídas no disco são uma escolha natural. A versão dos Television Personalities é, para quem já nos viu ao vivo, o final dos nossos concertos e fazia todo o sentido terminar o disco com ela, pela letra, que tem tanto a ver com os dias de hoje cheios de punk plástico que se veste apenas pela forma e menos pelo conteúdo, pelo despojamento da música, com uma simplicidade tão difícil de alcançar quando os processos da maioria teimam em complicar o que poderia ser fácil. No fundo somos quase todos punks de meio período.

PP: A I Can’t Grow Peaches On A Cherry Tree conhecemo-la na versão da Nancy Sintra no álbum Nancy In London de 1966 sendo um original dos The Browns. Foi escolhida porque faltava-nos uma música para completar o álbum e pensámos que seria mais rápido fazer uma versão powerpop do tema referido do que fazer um original à pressa.

PhP: São temas que gostamos de ouvir, mesmo que de outros universos sonoros, mas que sentimos poder dar um twist e fazê-los soar a The Pages.

 

O álbum tem uma estética e uma produção muito direta e crua. Foi uma decisão deliberada para manter a energia dos concertos ou foi algo que resultou naturalmente do processo de gravação?

PhP: Mais uma vez arrisco dizer uma mistura de ambos. Somos uma banda que se faz valer dos poucos instrumentos que leva ao palco, e quisemos que essa sonoridade crua se mantivesse no disco.

PP: Sim, quisemos que essa sonoridade crua e direta se mantivesse no disco.

 

A apresentação oficial de We Are The Pages! foi feita na Blackbox do Cineteatro Ginásio Clube de Corroios, novamente com os The Neuras. Esta ligação transfronteiriça parece-vos importante? Estão a criar uma espécie de cena revival ibérica?

PP: Infelizmente os The Neuras não puderam vir e então fizemos a apresentação do álbum com os convidados, à última da hora, Os Cardosos de Lisboa. Aproveito para informar que os The Neuras estão de regresso a Portugal já este dia 25 de outubro na Blackbox para #3 at the club…! Sessions, connosco (The Pages) e os Lume Azul, banda de Almada, para o seu 2º concerto depois de terem tocado no Lisboa Mods Mayday em maio deste ano, em Lisboa. A cena revival ibérica já existe desde, pelo menos, 2008. Eu tenho desde essa data contribuído, com as minhas possibilidades, para que isso exista com idas a Espanha todos os anos por várias vezes. A vinda a Portugal de bandas ou Djs da cena mod é que tem sido mais escassa. Eu tenho tentado, já o fiz, mas não é fácil. É o que é e é com isso que temos de viver!! Dia 25 em Corroios será mais um evento Revival Ibérico e não vamos parar, para 2026 há mais eventos previstos entre Portugal e Espanha para reforçar a mod scene!

 

O mod revival em Portugal nunca teve grande expressão a nível mainstream. Sentem-se, de certa forma, em missão para dar visibilidade a este movimento ou o vosso foco é mais artístico do que ideológico?

PP: O mod revival em Portugal continua sem grande expressão. Nós fazemos o nosso trabalho, e acho que bem, com muito esforço e dedicação. Não somos do tipo: “Somos os mods” e não passa disso. Uma vez mod, mod para sempre! Sim, com a missão para dar visibilidade a este movimento, estético e artístico, ideológico também se bem que o mod revival é um revivalismo do movimento mod dos anos 60 e aí sim os ideais que os mods defendiam eram outros e necessários para a época… era uma cena muito inglesa e eles é que que a viveram na sua plenitude, nós somos apenas uns admiradores e seguidores de todo aquele universo estético e musical... não me vou alongar mais sobre este assunto, desculpa!

 

Em termos de palco, o que têm planeado em termos de apresentação ao vivo deste álbum?

PP: Já fizemos cerca de uns 10 concertos onde apresentámos ao vivo quase na totalidade, alguns na totalidade, os temas deste We Are The Pages!. Espanha, por 3 vezes, Coimbra, Lisboa, Corroios, Barreiro, Porto, etc.. As próximas datas são em Corroios, 25 de outubro, e depois uma mini-tour pelo norte/Minho, Esmoriz, Braga e Famalicão, 28, 29 e 30 de novembro. O curioso é que somos de Almada e em mais de 20 concertos que demos, em menos de 2 anos, nunca lá tocámos!!

 

Para terminar, que mensagem gostariam de transmitir aos vossos fãs e aos nossos leitores?

PP: Gostaríamos muito de poder contar convosco nos nossos concertos e agradecer a quem nos tem acompanhado! Estamos muito gratos e felizes por isto estar a acontecer e queremos muito continuar!

We Are The Mods!

We Are The Pages!

Há uma frase que os nossos amigos mods espanhóis usam e que eu acho uma delícia:

“SOY MOD… Y QUÉ PASA??”

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