Os
Junkbreed regressam em força com Sick Of
The Scene, um disco que aprofunda a identidade feroz e interventiva que o
grupo começou a moldar no pós-confinamento. Depois de Music For Cool Kids
e um EP em 2023, o quinteto reformulado chega agora com um álbum mais direto,
mais pesado e mais consciente, onde a crítica à inteligência artificial, a
saturação da cena musical e a procura por autenticidade se transformam em combustível.
Estivemos à conversa com Miranda e Pica, para explorarmos este novo registo.
Olá, pessoal, tudo bem?
Que têm feito desde a última vez que conversamos, em 2022?
MIRANDA: Olá a todos! Em termos de
banda de 2022 para cá lançamos um EP em 2023, demos mais alguns concertos e
estivemos a preparar o Sick Of The Scene, que até era para ter sido
lançado mais cedo, mas tivemos alguns contratempos pessoais que atrasaram um
pouco o processo.
PICA: Junkbreed é um output
pessoal, uma forma de expressão e de estarmos juntos como amigos, mas se não
acontecem coisas novas, a vida leva-nos noutros sentidos, felizmente temos o
Miranda que em termos criativos tem sido um "bicho", é isso que nos
mantém ativos.
Desde Music For Cool Kids
que os Junkbreed evoluíram de um escape criativo nascido em confinamento para
uma banda coesa e interventiva. Que balanço fazem dessa jornada até Sick Of
The Scene?
PICA - A jornada até este disco
foi longa, mas como não temos deadlines a não ser os impostos pela nossa
própria exigência, foi até fácil de gerir.
MIRANDA - A banda começou sem
grandes planos definidos, a ideia era apenas fazer música e nos divertirmos,
mas dessas músicas nasceu um álbum, desse álbum vieram os concertos e quando
nos demos conta, a “diversão” passou a ser uma coisa um pouco mais séria. E por
isso, aqui estamos nós.
A crítica ao impacto da
inteligência artificial na arte é um dos eixos do álbum e até a capa, feita com
recurso à IA, reflete esse paradoxo. Que mensagem quiseram deixar ao recorrer a
essa ironia visual?
MIRANDA: Cada vez
mais vemos as pessoas recorrer à IA para as mais variadas situações, é uma
ferramenta com um enorme valor em várias áreas, mas acho que na arte, seja ela
qual for, não pode ter tanto espaço. A arte é pessoal, é sentimento, é erro. Se tirarmos tudo isto, ficamos com
uma coisa estéril (como a personagem na capa do disco) e acho que isso não é
positivo.
PICA: Acredito que será cíclico, mais tarde
ou mais cedo vai-se voltar a valorizar a mão humana nos trabalhos artísticos,
mas até lá vamos passar por uma fase difícil nesse aspeto.
Mas o título Sick Of The Scene
também pode soar a uma crítica interna ao meio musical, às modas, às poses, ao
ruído que se sobrepõe à autenticidade. É uma leitura justa?
MIRANDA: Devido à facilidade com que se
consegue gravar e editar música, existem milhares de bandas hoje em dia. Isso
tem as suas coisas positivas e negativas. Para mim o negativo é a quantidade de
bandas a soar todas ao mesmo, parece que se perdeu a vontade de meter o cunho
pessoal no que se faz para tentar apanhar o comboio das modas…
PICA: Estamos numa fase do imediato, do consumo
rápido e sem critério; isso abre espaço ao que o Miranda refere: as pessoas
estão preguiçosas; uma banda é avaliada em 30 segundos de música; meses de
trabalho são rotulados em 30 segundos de música. Podemos e devemos fazer
melhor.
O novo alinhamento, com
Antero e Tiago a juntarem-se à banda, trouxe novos impulsos criativos. Que
papel teve esta formação na sonoridade mais pesada e direta que o disco
apresenta?
MIRANDA: O Antero só não
participou na composição/gravação do Music For Cool Kids, de resto, está
connosco desde o dia 1. No primeiro álbum ainda houve 2 músicas que vieram de
ideias do Karia, mas daí para cá, 99% da composição tem sido feita por
mim, não por imposição alguma, apenas porque do resto da banda não tem havido
tanta participação nesse aspeto.
PICA: Tivemos sempre esta forma de trabalhar e acho
que funciona bem para nós. O Miranda faz um trabalho incrível nesse
sentido. Todos dão o seu input numa fase mais avançada e saltamos muitas
barreiras ao trabalhar assim.
Referiram que quiseram
experimentar estruturas mais tradicionais, sem perder o vosso “caos criativo”.
Como encontraram esse equilíbrio entre disciplina e instinto?
MIRANDA: O instinto é sempre a
primeira coisa que tem de vir. Quando estou a compor, tento montar logo uma
estrutura sem grandes restrições ou preocupações. Depois é ir ouvindo e mexendo
até achar que está já num ponto aceitável. Aqui ajuda o facto de conseguirmos
tocar as músicas, assim que estão numa fase final, na sala de ensaio, aí consegues
ter uma perspetiva melhor do que a música tem a mais ou a menos. Desta vez
queria tentar fazer músicas com estruturas mais “simples” e com uma duração
mais reduzida, pois a minha tendência é o oposto disso.
No primeiro álbum havia
uma energia mais espontânea e crua. Em Sick Of The Scene
percebe-se maior maturidade, mas também uma urgência diferente. Essa maturidade
é fruto de experiência ou de frustração com o estado atual da música e da arte?
MIRANDA: Quero acreditar que todos
nós evoluímos como músicos e como banda desde o lançamento do primeiro álbum,
penso que seja isso a “maturidade”. Quanto às diferenças entre os álbuns, acho
que é uma coisa natural, continuamos com zero preocupações se estamos a fazer rock,
punk ou black metal. De todas as músicas que tínhamos prontas
para ir para estúdio escolhemos estas, se fossem escolhidas outras que acabaram
por ficar de fora, o disco seria uma coisa completamente diferente.
PICA: Acho que evoluímos dentro
da nossa música, estamos todos mais seguros do que queremos fazer. Eu, por exemplo, no
primeiro disco estava a explorar um novo caminho vocal, tudo gravado em casa,
puro rock, e hoje estou muito mais confortável e seguro do meu trabalho
vocal, e isso reflete-se ao vivo, acho que somos todos melhores músicos hoje em
dia.
Falemos de produção: o
disco foi gravado nos SinWav Studios, com mistura e masterização a cargo de
Mau. Como descreveriam o ambiente de estúdio e o que o diferenciou da gravação
anterior?
MIRANDA: O Mau está
connosco desde que o projeto começou; para mim ele faz tanto parte da banda
como qualquer outro elemento. Antes de iniciarmos as gravações, há sempre um
processo de troca de ideias em relação às músicas que é sempre muito positivo.
Depois na gravação com conhecimento de que já temos uns dos outros acaba por
ser cada vez mais fácil fazer um bom trabalho.
PICA: Senti que desta vez o
trabalho final subiu muito o nível em relação às demos. Nós tínhamos
tudo pronto em janeiro menos a minha voz. Devido a uma cirurgia só consegui ir
ao estúdio alguns meses depois, e confesso que pouco preparado, sabia as
músicas, mas não estava muito contente com as demos, não estava
convencido. O que fizemos em apenas duas sessões foi brutal, em 2 dias gravei 9 músicas, o Mau tem uma forma
de trabalhar que eu gosto muito, consegue tirar o melhor de mim, a energia
naqueles dois dias foi incrível e isso sente-se quando ouves o disco, cada
berro, cada palavra saiu com um feeling incrível.
Apesar da agressividade
e do peso, há subtis detalhes que exigem uma escuta atenta. Que tipo de
“camadas escondidas” esperam que o público descubra ao longo do tempo?
MIRANDA: Há várias camadas em
algumas músicas que só são percetíveis depois de algumas audições, quando já
conheces bem as músicas, ficas com ouvido livre para procurar outras “nuances”
que se calhar passam despercebidos nas primeiras audições. É uma coisa que valorizo
imenso em bandas de que gosto. Existem também uns easter eggs espalhados pelo álbum que
quem os encontrar vai achar piada.
E é curioso que os três
temas finais sejam aqueles em que a banda revela outras nuances diferentes em
termos de desenvolvimento criativo. Foi coincidência ou não estes temas terem
ficado para o fim?
MIRANDA: Acaba por fazer parte da
visão que tinha para o álbum. Acho que facilita a viagem para quem não conhece
a banda tão bem começar com as faixas mais diretas e aos poucos ir abrindo o
espectro e introduzindo coisas novas.
O último, Over What I Know,
tem mesmo um fantástico solo, cortesia do Nuno Pardal. Como surgiu essa
possibilidade da sua participação?
MIRANDA: O Pardal, tal como o Mau, apesar de já não estar
"oficialmente" na banda, é um amigo que sabemos que podemos recorrer
sempre que preciso. Nem eu, nem o Tiago somos gajos de grandes solos, eu tinha
a ideia do que queria mais ou menos e sabia que o Pardal ia a elevar para outro
nível, foi o que acabou por acontecer, o solo ficou brutal.
A Raging Planet tem
sido uma casa sólida para o vosso trabalho. Qual a importância de manter essa
ligação e coerência num panorama cada vez mais fragmentado?
PICA: O Daniel gosta do som da banda e isso
facilita todo o processo; ele tem sido um ótimo companheiro de viagem.
MIRANDA: O Daniel é daquelas pessoas que num mundo justo já tinha
recebido uma condecoração, o trabalho e apoio que ele tem dado ao longo dos
anos a tantas bandas é uma coisa incrível, acho que muito pouca gente tem noção
do tudo o que o Daniel fez e faz pelo nosso underground.
O que têm planeado em
termos de apresentação ao vivo deste álbum?
MIRANDA: A nível de “espetáculo” introduzimos uma novidade nos
nossos concertos que já testamos e correu bem, por isso será para manter.
Depois o objetivo é sempre o mesmo, voltar a tocar onde já tocamos, tocar onde
ainda não tocamos, ainda temos um longo caminho a percorrer.
PICA: Vão aparecendo convites para tocar, e vamos fazer o máximo
de datas possíveis. Gostávamos de conseguir fazer alguns festivais durante o
verão, vamos ver o que aparece.
Para terminar, que
mensagem gostariam de transmitir aos vossos fãs e aos nossos leitores?
MIRANDA: A palavra “fã” é uma coisa que sempre me fez alguma
comichão, mas quero deixar uma palavra a quem estiver a ler isto, apoiem o que
de bom se faz por cá, seja música ou outra coisa qualquer, aos fins de semana
agarrem nos vossos amigos e vão beber um copo e ver uns concertos! Um grande
abraço a todos e obrigado à Via Nocturna por nos receber mais uma vez!




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