Entre
contrastes sonoros, mudanças de idioma e uma escrita cada vez mais íntima, Peter Strange tem vindo a afirmar-se no
rock alternativo nacional. Desde a
formação clássica na infância até à descoberta libertadora do rock n’ roll,
o artista construiu um percurso marcado pela procura de identidade, pela
experimentação e pela necessidade de dizer aquilo que nem sempre é fácil
verbalizar. O mais recente single Fim de Vida, com uma temática
forte, foi o motivo para irmos conversar com o artista.
Olá, Peter, tudo bem?
Obrigado pela disponibilidade. Para começar, podes contar-nos como surgiu o teu
apetite por música e como chegaste a adotar o estilo que hoje cultivas?
Olá. A minha relação com a música começou muito cedo.
Os meus pais meteram-me numa escola de música clássica aos 5 anos. Estudei lá
durante quase 9, mas nunca quis ser músico durante todo esse tempo. Só
posteriormente, quando andava no 9º ano da escola, é que descobri o rock n’
roll e comecei a tentar tocar guitarra. Foi algo na atitude do estilo que
gostei, e deu-me gozo perceber que se podia aprender um instrumento sozinho,
sem ser da maneira e no estilo clássico. Lembro-me de pensar “isto eu gosto de
tocar e dá-me prazer! Não é só ler uma pauta!”. A primeira guitarra onde toquei
foi uma que o meu irmão mais novo tinha porque também andava a aprender naquela
altura.
Olhando para a tua
trajetória até aqui, quais foram os momentos decisivos que te moldaram como
artista (e compositor)?
O projeto Peter Strange começou em 2015 quando
tinha 19 anos. Antes disso estive integrado em projetos como guitarrista, mas
nada sério. Peter foi o meu primeiro projeto em que escrevia, compunha e
cantava. Sem expetativas, formei uma banda e participei num concurso. Foi
quando ganhamos esse concurso que percebi que o projeto tinha pernas para
andar. Existem mais momentos, mas esse para mim ainda é o mais marcante.
Em 2024 lançaste Contraste. Qual foi
a ideia-matriz ou premissa artística que te guiou nesse álbum?
Esse trabalho teve duas fases distintas. Dois tipos de
música distintos gravados num intervalo de um ano. A primeira parte do disco
foi gravada em janeiro de 2023 e a segunda em janeiro de 2024. Comecei com algo
que pensava que iria ser mais abrangente em termos de público, com baladas,
sonoridades mais pop e experimentais em relação ao álbum anterior. Daí
surgiram 4 canções (3 delas acabaram por entrar no disco), uma delas foi o
primeiro single, A Meu Lado, uma canção que fala sobre o meu
falecido avô paterno. No entanto, apesar da boa receção e reação, achei que
estava a perder a minha identidade sonora, e por isso, decidi voltar a compor
umas malhas com o peso que o álbum anterior tinha, mas com mais atenção
ao detalhe e com uma produção mais pormenorizada e experimental.
Na composição desse
álbum, decidiste cantar em português, ao contrário de trabalhos anteriores em
inglês. Qual o significado disso para ti?
A primeira canção que escrevi em português chama-se Uma
Vida a Dois, inspirada na minha mulher. Escrevi a canção sem pensar em
editá-la, apenas para ela a ouvir. Num dia toquei-lhe na nossa sala, só voz e
guitarra, e ela adorou. Abraçou-me e disse-me “Tens de começar a cantar em
português. Gosto muito mais da tua voz em português.”, e pronto, dito e feito.
Sinceramente acho que tomei a opção certa. Sinto que me consigo expressar em
português de uma forma muito mais profunda que o inglês.
Recentemente lançaste
um novo single, Fim de Vida, onde abordas temas ligados à
depressão e aos estados emocionais oscilantes. Foi difícil “expor” isso numa
música?
Hoje em dia não, felizmente. A canção retrata um
estado depressivo que tem uma relação on e off com a minha
pessoa. Por vezes fraco, por vezes forte. Já estive bem embaixo
psicologicamente, principalmente em altura de pandemia, mas não gosto muito de
falar sobre isso. Prefiro expressar-me e contar o meu dia a dia dessa situação
através da canção. É uma pequena vitória para mim já conseguir falar e cantar
sobre este assunto de uma forma mais distanciada, imparcial e leve.
Sabemos que a letra e a
música foram compostas num só dia. Qual foi o estalo criativo que te levou a
transformar esse momento intenso em canção tão rapidamente?
Não faço ideia. Meti na ideia que queria fazer uma
canção com um ritmo de marcha, que acabou por ser o ritmo do primeiro verso e
do final do tema. A partir daí a cena fluiu. Penso que ganhei alguma inspiração
para a letra porque também estava um pouco na mó de baixo nessa altura.
A sonoridade do tema
remete (consciente ou inconscientemente) a referências como Muse, Queens Of The
Stone Age, Foo Fighters, Metallica. Quais foram os teus principais inputs musicais para
esse arranjo?
Ambos. No que toca aos Queens, são uma das
minhas bandas favoritas, e foi pela inspiração deles que construí os versos com
os instrumentos ritmados. Os riffs e solos com harmonias dos Metallica,
nomeadamente da Moth Into Flame e da tão conhecida Master Of Puppets,
fizeram-me pensar este solo composto que a canção tem. Já o refrão foi
diferente. Uma coisa simples. 4 acordes “à Foo Fighters” onde jogo 90%
do tempo só com o gritar do título do tema. Foi algo inconsciente à partida.
Quando inicias uma
música, especialmente em temas mais íntimos como Fim de Vida, o que
surge primeiro: letra, melodia, riff, atmosfera?
Começo sempre as músicas pelo instrumental,
nomeadamente um riff. Depois costumo encontrar o tema da letra pela
linha da voz que quero no refrão. Tudo pode sofrer alterações à posteriori, mas
normalmente é assim que começa.
Que espaço ocupam os
concertos e a ligação com o público no teu plano para 2025/2026?
Sendo brutalmente honesto, não sei. A minha situação
profissional não me permite pensar no meu projeto musical a médio/longo prazo.
Tenho várias coisinhas no baú, mas quero tratar delas como merecem ser tratadas
e para isso preciso de tempo, logo, não sei quando sairá o próximo single.
Em relação a concertos, tenho algumas datas a fechar no início do próximo ano.
Tens ideias ou projetos
já em desenvolvimento para o próximo álbum ou singles? Alguma
direção nova que queiras explorar?
O Fim de Vida é uma boa base, coesa e melódica.
Já tenho ideias, mas não existe um plano definido ainda, pelas razões
profissionais que já mencionei.
Por fim, que mensagem
gostarias de deixar aos ouvintes, especialmente a quem pode estar a atravessar
momentos difíceis e se poderá identificar com Fim de Vida?
Dar tempo ao tempo. Comigo funcionou e continua a
funcionar. Existem momentos em que, por nos sentirmos no inferno do pensamento,
não vemos saída, queremos que passe ou que acabe. Acreditem que passa. Pode
levar dias, semanas, meses, anos, mas passa e vale a pena. Sei também que
aquilo que demora a passar pode voltar em segundos, mas eventualmente volta a
passar. Eu tenho o privilégio de ter conseguido ajuda profissional e aconselho
a quem também tem essas condições, mas falem, façam-se ouvir. Amigos, família,
desconhecidos, mesmo que pensem que não existe solução. Desde então conheci
pessoas fantásticas que, se não tivesse esperado, nunca viria a conhecer.



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